Quando eu era jovem e ainda morava em Florianópolis, o apartamento da minha família ficava na frente de uma pracinha. Ali tinha uma banca de jornal e um ponto de táxi. Entusiasta da nona arte antes mesmo de ser alfabetizado, desde que me entendo por gente fui um habitué do local.
O jornaleiro e os taxistas daquele aprazível local eram as pessoas mais reacionárias que eu conhecia. Perceba que não estou aqui cometendo qualquer generalização –estou falando daquele jornaleiro, daqueles taxistas.
Convivia com outros adultos interessados por política, que falavam de suas paixões com empolgação, e mais empolgação ainda daqueles que consideravam merecer críticas. Mas o jornaleiro e os taxistas, bom, eles eram radicais.
Ao longo da última década, vi cada vez mais pessoas se tornando radicais também. Os excessos do reacionarismo se tornaram um elemento fundamental do debate nacional e hoje sequer causam espanto pela essência, mas eventualmente pela forma, como temos acompanhado no noticiário.
Durante esse tempo, tenho tentado entender por qual motivo toda essa gente ficou tão parecida com aquele jornaleiro e aqueles taxistas. O que eles tinham em comum, afinal de contas?
Na banca, o jornaleiro passava o dia comentando as notícias com quem ia comprar jornais ou revistas. De olho nas manchetes e nas principais chamadas, fazendo o possível para concatenar um vasto volume de informação. O mesmo ocorria com os taxistas, ainda que em outra mídia. O rádio ligado o tempo todo em frequências AM, uma alavanca para conversar com os passageiros. E assim as certezas absolutas e inquebráveis iam sendo criadas.
Independente da ocupação profissional, hoje qualquer um é soterrado por uma avalanche de notícias e opiniões 24 horas por dia em canais de TV, rádios, YouTube e também pelo WhatsApp.
Esse fluxo constante não vem necessariamente acompanhado pela formação de um senso crítico minimamente apurado. A consequência é o radicalismo com o qual precisamos lidar por onde quer que se olhe.
Pois esse senso crítico nasce da fruição de outras fontes, muito além de qualquer jornal. O desenvolvimento da sensibilidade para compreender o mundo em que estamos inseridos está na vivência em comunidade, no consumo de cultura em suas mais diversas linguagens, no contato com o próprio entorno e na noção de história.
Escrevo isso depois de ver que vários radicais abdicaram dos prazeres da Copa do Mundo para continuar na frente dos quartéis clamando por um golpe militar, e chegaram a vaiar os gols da seleção.
O excesso de notícias sem o filtro do discernimento básico fez com que a política ocupasse espaços demais na vida de algumas pessoas. É o único assunto, uma missão de fé, o fio condutor. Alguém vai dizer que tudo é política, mas definitivamente não essa política.
E esse tempo dedicado à urgência do que acontece na cidade, estado, país ou mundo, com as mais variadas e recorrentes chamadas à ação, organizando piquetes virtuais ou mesmo reais, acaba por sequestrar um espaço que outrora seria dedicado a algo mais prosaico, como um hobby.
Mesmo quando a intenção é um momento de distração, aciona-se redes sociais que fagocitam nossas almas com os famigerados algoritmos, entregando uma miríade de caminhos para reforçar tudo aquilo que já somos. E assim vamos nos tornando caricaturas grotescas e exageradas de nós mesmos.
Com isso, o radicalismo se integra à paisagem, e olhando em retrospecto o jornaleiro e os taxistas parecem quase inocentes com suas bravatas definitivas contra inflação galopante ou o arrocho salarial e outros problemas que remetem à uma vida que parece de outra dimensão.
Mas quando vejo aquelas pessoas que passaram os últimos 8 ou 9 anos trajando camisas da seleção agora à paisana na frente dos quartéis e vaiando a Copa do Mundo, só consigo pensar que a única salvação para o Brasil é essa galera arranjar um hobby.
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a solução é a liberação dos bingos, Chico, certeza.
estão na mesma situação dos personagens de Pantanal. se tivesse um shopping pra ir e uma torre de chopp pra tomar, não produziriam essas cenas lamentáveis