Ouvi uma piada uma vez. Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto.
O médico diz: "O tratamento é simples. O site da saúde mental está bombando, acesse o Twitter. Isso deve animá-lo."
O homem se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Twitter." Ao passo que o médico responde: “Não seja idiota. Você é apenas o Elon Musk.”
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Lembrei dessa história por conta daquela velha discussão se é possível separar a obra do artista. Tem gente que continua sendo fã do Woody Allen, mesmo depois de todas aquelas acusações. Muitos se fazem valer de decisões judiciais para manter uma boa impressão de Manhattan, Annie Hall e até mesmo de Meia-Noite em Paris.
Normalmente o processo é o seguinte: primeiro ficamos encantados pelo trabalho dos artistas, e depois por essas pessoas sob o ponto de vista intelectual. “Ela fez tudo isso, que figura encantadora.” A obra nos leva ao artista.
E aí inevitavelmente a pessoa nos decepciona, pois essa é a função social do ser humano. Viemos à Terra para ocupar alguma das duas pontas do sofrimento. O que muda é a intensidade e profundidade da desilusão, variando desde pequenas frustrações até, bom, até crimes hediondos, infelizmente.
Mas a Era das Aquisições Agressivas deixou tudo um pouco mais confuso. Muitos cidadãos já em idade avançada estavam acostumados a amar Star Wars e tinham como esporte difamar George Lucas, o pai da criança feia. Eram dois hobbies casados, uma relação intrínseca e aparentemente indivisível.
Veio a Disney e comprou Star Wars, tirando o criador da criatura. Os fãs da saga espacial precisaram redirecionar as daddy issues para uma grande corporação e encontrar novos responsáveis para lamentar pelos rumos de suas memórias afetivas.
No mês passado Elon Musk adquiriu o Twitter. Eram duas identidades já plenamente estabelecidas no imaginário popular. E cá entre nós, nenhuma delas com as melhores referências.
O bilionário é chacota nos círculos menos abastados da sociedade, pois é dever do andar de baixo se divertir às custas do andar de cima, até para tentar esquecer quem costuma rir por último. Sua personalidade extravagante ajuda bastante a mantê-lo como alvo fácil.
Enquanto isso, o Twitter é uma rede social muito falada, mas lanterninha na comparação com qualquer outra plataforma. Menos interações, menos dinheiro de publicidade, mais discurso de ódio e assédio. Mas sempre muito relevante por conta da presença de artistas, políticos e jornalistas.
A fusão dessas duas entidades fez com que a imagem pública de ambas ficasse ainda pior. Elon Musk se tornou mais famoso, mas sob a pecha de vilão de filme ruim do Nicolas Cage. E o Twitter vive um processo de instabilidade terrível, com internautas segurando a plaquinha de “o fim está próximo” como se estivéssemos à beira do apocalipse nuclear.
O Twitter era obra de outrem, mas a pós-modernidade permitiu que Musk assumisse o cargo de artista. Ou seja, é possível separar a obra e ainda ocupar o lugar do artista, se você tiver dinheiro suficiente. Mas com isso, herda-se os detratores de um e de outro, o que comprova que também não é possível separar a obra do artista.
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Maravilha, Chico!
"dever do andar de baixo se divertir às custas do andar de cima, até para tentar esquecer quem costuma rir por último." 👍
Texto incrível!